terça-feira, 30 de junho de 2009

A BELA E OS TRÊS URSINHOS, história da Avómi

A Ana é uma menina muito bonita, simpática, inteligente, e toda a gente gosta muito dela.
De vez em quando, as coisas não acontecem como seria desejo da Ana, pelo que ela fica com uma cara muito séria e não fala, porque é, como se costuma dizer, "senhora do seu nariz". Nessas ocasiões não parece nada aquela menina tão linda!

Desconhecia esta faceta da Ana e fiquei surpreendida quando a mãe, a Leonor de quem sou muito amiga, mo disse uma vez que estava descontente e triste. Foi apenas um desabafo de amiga para amiga. É certo que todos temos defeitos, mas as mães ficam muito tristes quando os filhos manifestam qualquer sentimento menos agradável. Mas a Ana tem tantas qualidades, que este pequeno defeito passa despercebido, porque não prejudica ninguém.

Agora reparo, que estou a falar nas qualidades e defeitos da Ana, quando queria dizer:

A Ana fez ontem anos e como tem muitos amigos...

- Quem adivinha o que aconteceu?

Bem, como ninguém adivinha, vou contar:

Os amigos resolveram homenageá-la com um jantar e, como estão todos de férias na praia, a festa foi à beira-mar. Foi um jantar muito agradável, a noite estava fabulosa e divertiram-se muito. Não faltou o bolo de anos com velinhas e, a propósito de velinhas, quero dizer que se viram gregos para as acender, pois o Senhor Vento estava bastante atrevido e soprava, soprava... Mas a dada altura, pensou que estava a ser mauzinho e deixou que se acendessem as velas. Ficou quietinho debaixo do toldo e foi observando tudo que faziam. Achou graça, quando cantaram "Parabéns a Você" e a Ana, de um sopro só, apagou as velas. Achou esquisito, quando depois de apagadas as velas bateram palmas, e pensou:

- "Quando sopro ninguém bate palmas!
Hei-de perguntar àqueles jovens, qual a razão por que bateram palmas".

O Vento acabou por não perguntar nada sobre as palmas, ficou só ali muito quieto a apreciar a festa, que estava divertidíssima.

Referi-me apenas a uma parte da festa, mas antes, em casa da Ana houve festa também. É certo que, como toda a gente procurava a Ana, foi difícil preparar as coisas para a festa, dado que era um corrupio, ora para a porta, ora para o telefone que não parava de tocar, e a Leonor estava a ver que não conseguia fazer os preparativos a tempo e horas. Contudo, com a boa vontade de todos, tudo se conciliou e fez-se uma festa bastante agradável.

A maior surpresa da aniversariante, foi quando uma das vezes que bateram à porta, espreitou pelo ralo para ver quem era e, deparou-se com três Ursinhos. (nunca se deve abrir a porta sem espreitar pelo ralo, e a Ana sempre foi muito cuidadosa. Quando era pequenina levava um banquinho para junto da porta e subia para chegar ao ralo e espreitar. Nunca se deve abrir a porta sem saber a quem).

- Que quereis, Ursinhos? - perguntou a Ana.

- Felicitar-te! - responderam sorridentes, mãozinhas levantadas para mostrar os balões que levavam para a Ana.

A Ana ficou boquiaberta, porque não conhecia os Ursinhos, mas achou-os tão encantadores, que abriu a porta e mandou-os entrar. Eles tinham ouvido falar da Ana e tinham que a conhecer, por isso se atreveram, ainda que com o risco de não serem recebidos (às vezes as pessoas têm medo dos ursos!)

Apresentados a toda a família, a aniversariante encaminhou-os para a mesa muito bem posta onde não faltavam as melhores iguarias e belos enfeites. Ali, saborearam petiscos nunca imaginados por eles e ainda assistiram ao partir do bolo de anos, que comeram com satisfação, tão delicioso ele estava.

Para despedida, os Três Ursinhos cantaram uma cantiguinha à Ana:

Nós somos os três Ursinhos
brancos da cor do algodão
dos meninos amiguinhos
do fundo do coração

Da Ana ouvimos falar
e do seu aniversário
da festa a organizar
da escassez do horário

Como somos atrevidos
batemos à porta dela
e fomos bem recebidos
baptizámo-la de BELA

A Leonor atarefada
com atenção às visitas
e que bela pequenada
fatiotas tão catitas

Parabéns à nossa BELA
radioso como flor
bonita mas bem singela
por isso é um AMOR

Quando à noite se juntou aos amigos na praia, a Ana falou-lhes da visita dos Ursinhos e repetiu os versinhos que eles lhe dedicaram.

Foi um dia inolvidável para todos e, sobretudo, para a Ana.
.

.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

SÃO FRANCISCO, poesia de Vinícius de Moraes

.
Lá vai São Francisco
Pelo caminho
De pé descalço
Tão pobrezinho
Dormindo à noite
Junto ao moinho
Bebendo a água
Do ribeirinho.


Lá vai São Francisco
De pé no chão
Levando nada
No seu surrão
Dizendo ao vento
Bom-dia, amigo
Dizendo ao fogo
Saúde, irmão.


Lá vai São Francisco
Pelo caminho
Levando ao colo
Jesuscristinho
Fazendo festa
No menininho
Contando histórias
Pros passarinhos.
.

domingo, 28 de junho de 2009

A PARTIDA, história de Ilona Bastos


A Lili e a Lóló são duas meninas iguais. Têm os mesmos olhos castanhos e meigos, as mesmas bochechas rosadas, as mesmas boquinhas redondas e vermelhas.
A Lili e a Lóló são duas gémeas verdadeiras, e se não fosse por um pequeno pormenor ninguém conseguiria distingui-las: a Lili tem o cabelo liso, e a Lóló tem caracóis.
Mesmo quando a mãe as veste de igual, com uns vestidinhos curtos aos folhos e às flores coloridas, logo as vizinhas as diferenciam: a Lili, pelo cabelo sedoso e solto, caindo-lhe leve sobre os ombros; a Lóló, pelos caracóis redondinhos, aos cachos, que lhe emolduram a carinha simpática.
A Lili e a Lóló são muito traquinas e adoram pregar partidas.
No mês passado planearam enganar as amigas, fazendo-se passar uma pela outra.
- É simples! - disse a Lili à Lóló. - Basta trocarmos de penteados quando formos à festa da Joana.
A Lóló olhou para o espelho e tocou nos caracóis.
- Com uma escova e o secador posso tornar o meu cabelo bem liso. - disse ela.
- Com uns rolos e algum gel encho-me de caracóis. - resolveu a Lili.
Tão bem foi guardado o segredo que nem a mãe desconfiou. E a prática de esticar e enrolar os cabelos das bonecas mostrou-se preciosa no momento de meter mãos à obra.
- Que tal estou, Lili? - perguntou a Lili à Lóló, já com a cabeça coberta de caracóis.
- Óptima, Lóló! Aliás, como eu, não é verdade? – respondeu a Lóló à Lili, entusiasmada com o esvoaçar do cabelo liso junto ao pescoço.
O plano estava a correr às mil maravilhas, e muito haviam de se rir as gémeas quando as amigas percebessem como tinham sido enganadas!
A Lili e a Lóló vestiram as saias castanhas, escolheram as blusas amarelas e calçaram os sapatos de festa.
- Muito bem, meninas! - aprovou a mãe, com um sorriso carinhoso - Estão muito bonitas! Mas não se esqueçam dos guarda-chuvas, porque está a chover muito, lá fora...
As gémeas trocaram um olhar cúmplice, e tiraram os chapéus do bengaleiro. A Lili trouxe o guarda-chuva vermelho, da Lóló. A Lóló trouxe o guarda-chuva azul, da Lili. E seguiram a mãe até ao automóvel, onde se instalaram, muito satisfeitas.
Já sentada ao volante, a mãe, de repente, voltou-se para trás.
- O que se passa? - perguntou, surpreendida. – Hoje resolveram trocar de guarda-chuvas?
As gémeas coraram.
- Ó mãe, como é que descobriste?! - gritaram, em coro.
- É claro como água! - exclamou a mãe, soltando uma gargalhada.
A Lili e a Lóló olharam-se no espelho retrovisor e tudo compreenderam. Fora a chuva, traiçoeira, que num minuto encaracolara o tão esticado cabelo da Lóló, e esticara o tão enrolado cabelo da Lili.
Com a água é que as gémeas não tinham contado!

.

terça-feira, 23 de junho de 2009

A CORRIDA DA BARATA E DO CARACOL, história da Avómi

Certo dia, logo ao romper da manhã, uma Barata começou o seu passeio no jardim. Ainda estava um pouco escuro e ela andava às apalpadelas, porque não via bem; passava sobre uma flor, na terra fria, subia uma parede, voltava a descer... Mais tarde, já cansada, sentou-se um bocadinho à beira dum muro. Foi olhando em redor de si e, a dada altura, viu um Caracol que se deslocava lentamente. Como já tinha descansado um bom bocado, sentia-se pronta para novo passeio e pensou:

- Vou convidar o amigo Caracol, para fazer uma corrida. Está a apetecer-me uma corridinha, porque está frio e preciso de aquecer!

- Bom dia, amigo Caracol! Então que faz por aqui?

- Ó amiga Barata, acordei cedo e resolvi dar um passeio pelo jardim, mas hoje está uma manhã fria e já estou arrependido de não ter ficado na caminha. Estava tão quentinha!!!

- Está muito frio, está! - Exclamou a Barata - Por isso, estava mesmo agora a pensar convidá-lo para uma corridinha.

- É uma excelente ideia! - Exclamou o Caracol, sem medir as palavras - Mas ficou a pensar e, antes que ela voltasse a falar, disse:

- Ó amiga Barata, não acha que é uma competição que me vai deixar envergonhado?

- Bem, se o fizesse com esse fim, é natural que o amigo Caracol ficasse mal classificado, dado que é muito mais lento que eu. Porém, não se trata disso, mas de uma corridinha, para aquecer.

- Então vamos a ela!... - Exclamou o Caracol, todo contente.

Correram um bom bocado e, claro, a Barata sempre à frente. Coitadinho do Caracol, por mais que se esforçasse, não conseguia acompanhar a Barata. Transpirava, transpirava, já não podia com a própria concha, que pesava mais que nunca. Contudo, fez um esforço e continuou, apesar de há muito ter perdido de vista a amiga Barata. Qual não foi o seu espanto, quando, a dado momento, se encontrou com ela que chorava copiosamente, cheia de dores. A pobre Barata tinha tido uma cãibra, que a obrigou a parar um grande bocado e, por isso, o Caracol a apanhou.

- Está a ver, amigo Caracol, que nem sempre ganha o mais veloz?! Se tivéssemos feito uma corrida a sério, o meu amigo tê-la-ia ganho!

- É verdade, amiga Barata! Quem diria?
.
.
.

TROVAS DE S. JOÃO, poesia de Maria da Fonseca

Localização: Sanhoane
.
.
Na noite de S. João
A minha terra querida
Salta prà rua a brincar
‘Squece as agruras da vida.

Desce do trono e vem já
S. João, meu grande Amigo,
Larga a tua ovelhinha
E vem prà festa comigo.

Na noite de S. João
Toda a gente anda a brincar
Bate bate martelinho
Mas sempre sem magoar.

A seguir ao Santo António
Vem o nosso S. João.
Muita alegria na praça
E em cada coração.
.
.

sábado, 20 de junho de 2009

BOAS NOITES, poesia de João de Deus


Lavadeira, de Alfredo Roque Gameiro,
grande pintor aguarelista contemporâneo (1864-1935)

Estava uma lavadeira
A lavar numa ribeira
Quando chega um caçador:
- Boas tardes, lavadeira!
- Boas tardes, caçador!
- Sumiu-se a perdigueira
Ali naquela ladeira;
Não me fazeis o favor
De me dizer se a brejeira
Passou aqui a ribeira?
- Olhai que, dessa maneira,
Até um dia, senhor,
Perdereis a caçadeira,
Que ainda é perda maior.
- Que importa, lavadeira!
Aqui na minha algibeira
Trago dobrado valor...
Assim eu fora senhor
De levar a vida inteira
Só a ver o meu amor
Lavar roupa na ribeira!
- Talvez que fosse melhor...
Ver coser a costureira!
Vir de ladeira em ladeira
Apanhar esta canseira,
E tudo só por amor
De ver uma lavadeira
Lavar roupa na ribeira...
É escusado, senhor!
- Boas noites... lavadeira!
- Boas noites... caçador!

.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

O MELRO CANTA BONITO, poesia de Maria da Fonseca


De plumagem toda negra,
E com seu bico amarelo,
O melro canta bonito
Nas ameias do Castelo.
.
Nesta época do ano,
Dedica a sua canção
A uma fogosa parceira,
Com alegria e paixão.
.
Logo que a vê, corre atrás
Procurando alcançá-la.
Suas perninhas velozes
Tentam em vão apanhá-la.
.
A fêmea levanta voo
E deixa triste o seu par.
A ingrata não foi sensível
Ao mavioso cantar!
.
.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

A AVENTURA DO TIM, história de Ilona Bastos

Cocker Spaniel Inglês, Mary Pinke Neck Original Art

O Tim tem pêlo dourado, longas orelhas e uma cauda pequenina sempre a abanar. Como todos os cockers spaniel, é um cãozinho alegre e muito meigo.
Nasceu numa grande quinta, cheia de flores, árvores e animais. Mas quando o Tim completou oito meses a sua família mudou-se para um apartamento na cidade.

A família do Tim é composta por cinco pessoas: a sua dona Gaby, uma menina de sete anos; os pais desta, João e Ana; e os avós, António e Luiza. Os avós continuam a morar na quinta onde o Tim nasceu.
Os avós vêm frequentemente à cidade, onde passam temporadas em casa da Gaby. E é nestas alturas que o Tim fica mais excitado e a Gaby mais feliz - quando a família está toda reunida.

O Tim é um cãozinho educado e obediente. A Gaby ensinou-o a sentar, deitar, cumprimentar e erguer-se apenas sobre as duas patas traseiras. Fica encantador, o Tim, ao fazer estas habilidades!

O Tim adora passear. E se a Gaby diz a palavra "rua", ele abandona tudo e aproxima-­se, atento. Olha para a menina, muito espantado, levanta as orelhas e prepara-se para correr. Passear é a coisa melhor do mundo!

O avô António gosta muito de levar o Tim a passear. E foi num destes passeios que o cãozinho teve a sua mais emocionante aventura.

Tinham saído os dois para dar uma volta, e estava a anoitecer. Desceram a rua e atravessaram o jardim. O Tim, como todos os cães de caça, tem um faro muito apurado. E entusiasmou-se com o delicioso cheiro a frango, vindo de uma churrascaria.
Decidido, puxou o avô até lá. Depois, resolveu seguir a pista de uma cachorrinha simpática, que ali passara momentos antes. E, assim, andando rapidamente, foram-se afastando de casa.

De repente, sem que ninguém a esperasse, a luz de um relâmpago iluminou a noite. Seguiu-se-lhe um trovão. O Tim assustou-se, deu um salto e fugiu. E o avô António assustou-se também, porque percebeu que as suas pernas idosas não corriam tanto como as patinhas ágeis do Tim, e que este rapidamente desaparecia da sua vista.

Grossas gotas de chuva começaram a cair, e o avô, muito triste, compreendeu que não tinha outro remédio senão regressar a casa, mesmo sem o seu companheiro.

Quanto ao Tim, estava encharcado e procurava um abrigo. Por isso, ficou satisfeito quando descobriu um parque com árvores frondosas, no centro do qual havia uma casa com um aspecto estranho: era como uma grande varanda redonda, sem janelas, nem paredes, com degraus e uma cobertura de ferro verde.

Tratava-se de um coreto, onde, durante o dia, se tocava música e apresentavam espectáculos. Mas o Tim não sabia. Subiu os degraus, pensou que ali estava um bom abrigo, aninhou-se num canto e ficou a ouvir a chuva a cair.

Aconteceu que a chuva parou rapidamente. Embora forte, era apenas um aguaceiro. E o Tim levantou-se, lembrando-se de que deveria ir ter com o avô António, para regressarem a casa.

Mas então é que tudo se complicou: o avô desaparecera, o Tim não sabia voltar para casa sozinho, estava escuro, e ainda por cima a chuva lavara as ruas, apagando quaisquer cheiros que pudessem ajudá-lo a descobrir o caminho...
O Tim voltou a deitar-se, desanimado. E acabou por adormecer.

O dia seguinte amanheceu cheio de sol, e o cãozito acordou bem disposto.
Preparava-se para descer do coreto, quando ouviu latidos e o som de passos a subir os degraus.

À sua frente, apareceu uma moça acompanhada por cinco belos caniches brancos, que logo o cumprimentaram.
- Olhem quem aqui temos! - exclamou ela. - Como vieste aqui parar? Estás perdido?

Começou a fazer festas ao Tim, que ficou muito agradecido e lambeu-lhe as mãos.

- És um cãozinho simpático! Deixa cá ver como te chamas e onde moras.

O Tim levava, na coleira, uma pequena cápsula onde estavam escritos o seu nome e morada.
- És o Tim! - disse a rapariga. - E moras aqui perto. Fica tranquilo, que nós levamos-te a casa depois do espectáculo.
.
Circus Dog, de Sherri Blum
.
A moça, que se chamava Marina, era amestradora de cães, e ia dar um espectáculo no coreto. Rapidamente trouxe de uma carrinha os bancos, os arcos e todos os adereços necessários. E começou a sessão!

As pessoas que passeavam no jardim àquela hora aproximaram-se e ficaram a assistir, espantadas, às habilidades dos inteligentes cãezinhos.

Obedientes, sentavam-se, deitavam-se e rolavam sob a orientação da Marina. Valentes, empurravam pequenos barris coloridos. Leves, saltavam através de arcos. Elegantes, dançavam sobre as duas patas traseiras. E educadamente agradeciam as palmas, sempre a dar às suas pequenas caudas.

No final do espectáculo, receberam uma grande ovação, e o Tim juntou-se aos caniches para mostrar os truques que a Gaby lhe ensinara: sentou-se, deitou-se, cumprimentou as crianças que rodeavam o coreto, e finalmente ergueu-se nas duas patinhas traseiras. A Marina ajudou-o, sorridente, e o Tim recebeu entusiásticos aplausos.

Terminada a apresentação, o Tim partilhou da água e da saborosa comida dos seus novos amigos. E, depois, foram todos levá-lo a casa, na sua carrinha branca.

O reencontro da família foi uma festa! Quanto se tinham preocupado com o desaparecimento do Tim!
Mas agora estavam todos felizes, e, mais do que ninguém, o Tim, que nesse dia realizara um dos seus mais antigos sonhos: fora um verdadeiro artista de circo!
.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A ARANHA VENENOSA, história da Avómi

Long-jawed spider, Lloyd Spitalnik's Wildlife Galleries


Dois Macacos brincavam às escondidas, quando apareceu uma pequena Aranha.

-Que se passa aqui? - perguntou a Aranha - Ou me enganei no caminho ou vocês não estão no sítio certo. Neste local vivia antes um casal de Tigres com um filhinho bebé que era muito engraçado e brincalhão. Costumava brincar com ele, mas um dia estava eu a tecer uma teia que me deu muito trabalho, ele veio e destruiu-a. Fiquei tão zangada que lhe dei uma picada bem forte. Depois tive pena dele, coitadinho! Chorou tanto!

Desculpei-me perante ele e os pais, mas não me perdoaram. Já passou algum tempo e resolvi voltar cá, com a esperança de os encontrar e também que me tivessem perdoado, pois a partir daquele dia tenho vivido cheia de remorsos pelo que fiz.

- Eles viviam aqui - disse o Macaco Trapezista - mas há já algum tempo que saíram. Não sei se sabes que a picada que deste ao Tigre Mimado deu origem a um inchaço tão grande na sua patinha, que tiveram que ir viver para perto da cidade a fim de levarem o filho ao veterinário amiudadas vezes.


Chimpanzé - National Geographic

- Não imaginas o mal que lhe fizeste, Aranha Venenosa! - disse o Macaco Palrador - O pobre Tigre Mimado até deixou de brincar.

O Tigre Riscado disse que iriam viver para longe daqui, não só para terem mais facilidade de levar o filho ao veterinário e aos tratamentos, mas também com receio que voltasses aqui e houvesse outro acidente. Até parece que estavam a adivinhar que virias, não é?

- Não me digas essas coisas, que estou a ficar tão angustiada que até a alma me dói. Já me basta o que tenho sofrido pelo arrependimento! Nunca pensei que a picada magoasse tanto o Tigre Mimado pois o que quis foi assustá-lo, para não repetir o que tinha feito.

- Isso dizes tu, mas a verdade é que a tua picada é venenosa e origina um mau estar terrível e tu sabes bem disso! - disse o Macaco Trapezista - Ainda bem que fomos prevenidos, pois brincalhões como somos, ainda nos fazias alguma maldade. Nunca imaginei que uma picada duma Aranha tão pequena tivesse consequências tão graves!
Ó Aranha Venenosa, vai-te embora, antes que resolvas picar-nos também. Temos vivido aqui tão sossegados! Reparaste como brincávamos, quando chegaste?


Chimpanzé - National Geographic
- Reparei, sim! Garanto-vos que não vos picarei, a menos que me façam alguma partida. Claro que, se isso acontecer, terei que me defender, não acham?

- Vai-te embora. Com a nossa brincadeira podemos inadvertidamente fazer qualquer coisa de que não gostes e...

- Está bem, irei! Mas quero antes pedir-vos um favor: Se virem por aqui o Tigre Riscado, sua mulher ou o pequenino Tigre Mimado, digam-lhes que passei por aqui não só para os cumprimentar, mas também para lhes dizer que tenho andado num desespero originado pelos remorsos.

- Fica descansada, Aranha Venenosa, mas queira Deus que não apareçam, senão lá ficaremos sem este precioso local para as nossas brincadeiras. Andámos muito tempo à procura do lugar ideal e agora que o encontrámos não queríamos por nada perdê-lo.

- Não se esqueçam do meu recado! - pediu a Aranha Venenosa, sem dar importância ao que interessava aos Macacos.

terça-feira, 16 de junho de 2009

A CANÇÃO DOS TAMANQUINHOS, poesia de Cecília Meireles


.....Troc... troc... troc... troc...
.....Ligeirinhos, ligeirinhos,
.....Troc... troc... troc... troc...
.....Vão cantando os tamanquinhos...
..
.....Madrugada. Troc... troc...
.....Pelas portas dos vizinhos
.....Vão batendo, troc... troc...
.....Vão cantando os tamanquinhos...
.
.. ..Chove. Troc... troc... troc...
.....No silêncio dos caminhos
.....Alagados, troc... troc...
.....Vão cantando os tamanquinhos...
.
......E até mesmo, troc... troc....
.....Os que têm sedas e arminhos,
.....Sonham - troc... troc... troc...
.....Com seu par de tamanquinhos...

segunda-feira, 15 de junho de 2009

OS ABRUNHOS, poesia de Maria da Fonseca

Por entre as folhas castanhas
Os frutos redondos luzem
Como bolas de Natal,
Lindos abrunhos seduzem.

Mas são tantos em cachinhos
Que os ramos caem pesados.
Nem o vento os faz mover
Quando sopra alvoroçado.

Pra avermelhar os mais verdes
Chegou o calor amigo,
Em breve ficam maduros
Para comê-los contigo.

São decerto os passarinhos
Os primeiros a prová-los,
Só depois se eles gostarem
Nós vamos saboreá-los.

Temos de subir à árvore
Sem que a nossa avó nos veja!
Vive a suplicar ao céu
Que haja um Deus que nos proteja!

Se o Senhor assim nos deu
Lindos frutos saborosos,
Vai desejar com certeza
Que apreciemos, gulosos!

..

O BALÃO VERMELHO, história de Ilona Bastos


Era uma vez um Balão Vermelho. Era redondo, de borracha e pequeno.

Um belo dia, o Balão Vermelho foi embalado, juntamente com noventa e nove irmãos de todas as cores, numa caixa de cartão canelado. E, assim acomodados, os cem balões foram parar à loja da esquina, uma pequena tabacaria pertencente à Dona Celeste.

Certa tarde, aproximando-se o aniversário do Francisco, os pais decidiram fazer-lhe uma grande festa. Com antecedência, planearam todos os detalhes, não esquecendo as guloseimas, os chapéus em forma de cone com desenhos divertidos, as estridentes cornetas, cornetins e familiares e, naturalmente, os balões.

Na loja da Dona Celeste encontraram, maravilhados, a caixa dos cem balões. Eram balões de todas as cores: amarelos como o sol; rosados como pétalas de flores; verdes como a relva pela manhã; azuis como o céu e o mar; vermelhos como as papoilas do campo...


Escolhendo um e outro, pegando neste e naquele, o pai e a mãe do Francisco reuniram, satisfeitos, um bouquet de vinte balões. E - já todos adivinhámos, não é verdade? - entre os balões comprados para a festa do Francisco encontrava-se o nosso amigo Balão Vermelho.

Para ele, sair da caixa de cartão canelado foi uma revelação. Quanto espaço, quanto ar!
- Sou livre! - pensou, cheio de felicidade.

Deixada a loja, o Balão, impaciente, não se continha, e, espreitando pela dobra mal colada do pacote de papel, debruçava-se para o empedrado da calçada. Com rapidez - a velocidade dos passos enérgicos do pai do Francisco - ultrapassava as vitrines de uma capelista, repletas de botões, tecidos e linhas de diferentes tons e texturas. De seguida, deslumbrava-se com o colorido fresco dos legumes, das alfaces e das frutas, expostos em caixotes arrumados à porta de uma mercearia.

Era um festival de cores e de vida!

Tão excitado se encontrava o Balão Vermelho que nem deu pelo chegar a casa e o ser arremessado para dentro de um saco de plástico, em cima de uma cadeira.

Com o coração a bater depressa, aí se deixou ficar, saboreando a maravilhosa sensação de liberdade que o invadia.
.
*
.
Uma noite se passou - a da grande expectativa!

O Francisco, claro, sentia enorme ansiedade em relação ao seu aniversário, aos presentes e à festa com os primos e os amigos, que já imaginava a rir e a correr, felizes, pela casa fora. Para os pais do Francisco havia o cuidado em bem receber os convidados no seu lar, que queriam o mais acolhedor possível. E, quanto ao Balão Vermelho, inundava-o a embriaguês do renascer e o sentir que um destino maior o convidava, de longe, do horizonte.

Mas, continuando a nossa história, será aconselhável passarmos imediatamente ao reboliço da festa de aniversário do Francisco.

Como é costume nestas ocasiões, em cima dos aparadores havia jarras com cravos vermelhos e gipsófilas. Na mesa fora estendida uma toalha branca e, sobre ela, espalhados copos e pratos coloridos, palhinhas riscadas, guardanapos cobertos de desenhos, batatas fritas, pipocas doces, salsichas e gelatinas de diversos sabores.

E havia os convidados, naturalmente. Traziam fatos novos e presentes de vários tamanhos - surpresa! - embrulhados em papéis brilhantes e enfeitados com belas fitas e laços.

As meninas, usando vestidos rodados e aos folhos, e os rapazes, de calções e vinco a preceito, todos com o cabelo cuidadosamente penteado - primeiro, tímidos, depois, ousados - corriam por entre os adultos, bem dispostos, perseguindo carros, bolas e balões, os balões redondos, de borracha e pequenos.

Deu-se aqui um acaso misterioso. Acompanhando as gargalhadas das crianças, pelo ar esvoaçavam balões amarelos, verdes, rosados e azuis. Porém, o Balão Vermelho ficara esquecido dentro do saco de plástico.

Ansioso, espreitando do seu canto, o Balão não compreendia por que razão todos os seus irmãos bailavam de mão em mão, enquanto ele se via ignorado, abandonado... Sentia-se confuso e triste, mas tentava consolar-se, murmurando:

- Já falta pouco! Já falta pouco!
.
Falta pouco para quê, Balão Vermelho? Nem ele o sabia. Contudo, de olhar atento, absorvia o alvoroço em redor, ciente de que o seu momento não tardaria. Avistou as crianças, no quarto do aniversariante, entusiasmadas com os brinquedos e os jogos. Depois, conseguiu ouvir o silêncio que antecedeu o cantar do Parabéns a Você, na sala de jantar. Adivinhou o soprar das velas, o cortar do bolo, e apercebeu-se da despedida de cada convidado, com a entrega de um saquinho de guloseimas, acompanhada de agradecimentos efusivos pela festa tão divertida.
.
O dia, que a família vivera com tanta alegria, chegara ao fim. Deitado o Francisco entre lençóis de flanela, aninhado em sonhos risonhos, pela casa restavam apenas pedaços de papel de embrulho e farrapos de balões rebentados no calor da brincadeira.

O Balão Vermelho encostou-se bem ao fundo do saco, suspirou, desanimado, e adormeceu. E, assim, outra noite se passou.
.
*
.
Na manhã seguinte, o Balão Vermelho ficou abismado quando a persiana foi levantada. À luz do sol, o quarto assemelhava-se a um campo de batalha. Por todo o lado havia brinquedos. Bonecos, carros, bolas e jogos electrónicos espalhavam-se descuidadamente pelo chão e pelos móveis. Dos balões, nenhum restava inteiro.

Com os olhos ainda ensonados, os passos leves, os pés calçados em meias de lã, o Francisco começou a percorrer o quarto, atento, em busca de novidades.

Foi então que encontrou o saco de plástico com o pacote de papel, num canto da cadeira. Investigou o seu interior e de lá retirou, eufórico, o Balão Vermelho. Uma onda de alegria inundou o rosto do menino.

- Olha o Balão Vermelho! Então, maroto, como é que ontem conseguiste escapar? Deixa lá que já te vou encher!

- Enche, enche depressa! - pensou o Balão, radiante.

Mas os pais do Francisco não se mostraram de acordo, e foram bem claros:
- Agora, que és mais velho, precisas de assumir as tuas responsabilidades. Arruma primeiro o quarto, para depois poderes ir brincar. Estamos a pensar dar um passeio no parque para assistirmos à passagem dos balões. O que te parece?

- Óptima ideia! - aprovou o Francisco.

Sobressaltado, o Balão Vermelho quase gritou:
.
- Balões? Balões?! Também quero ir!

Num ápice, o Francisco arrumou os jogos no armário, os livros na estante, os carros na garagem e os bonecos nos seus respectivos lugares.

Mais tarde, lavado, vestido e com o pequeno-almoço tomado, o jovem Francisco pegou no seu Balão Vermelho, encheu-o, e, orgulhoso pelo trabalho bem feito, acompanhou os pais até ao parque.

Na verdade, estava uma manhã linda, com o céu muito azul e o sol a brilhar. Exactamente daquelas manhãs em que aos meninos salta o pé para a brincadeira, ao mesmo tempo que uma vozinha afoita lhes segreda ao ouvido: “Vem, vem correr na relva. Estão todos à tua espera para jogar à apanhada!”.

O parque encontrava-se cheio de gente naquela manhã de Domingo. Na televisão haviam anunciado a passagem dos balões de ar quente provenientes de um Festival organizado numa cidade vizinha. E tinham mesmo aconselhado a população a deslocar-se ao parque, onde, melhor que em qualquer outro local, poderia ser observado o espectáculo sem que os edifícos altos ou outras construções impedissem a visibilidade.


O Francisco estava muito entusiasmado e não parava de pular e correr, agitando no ar o Balão Vermelho, que partilhava da alegria do rapaz.

Por momentos, o Balão chegava mesmo a libertar-se dos dedos do menino, e então sentia-se erguer, leve como uma pena, inebriado com a aragem que o fazia balançar, planar um pouco, e finalmente o restituía às mãos expectantes do seu dono.

De repente, um grito ecoou pela multidão que, num só gesto, ergueu o seu olhar para o horizonte.
.
- Hei-los! Vêm aí os balões!
.
Realmente, avistavam-se já algumas longínquas figuras coloridas de contornos mal definidos.

Inicialmente esbatidos, contra o azul do céu os balões de ar quente iam ganhando forma e cor à medida que se aproximavam empurrados pelo vento. As suas cúpulas vermelhas, azuis, amarelas e verdes, redondas e luminosas, aumentavam gradualmente de tamanho e fascínio. Enquanto distantes, assemelhavam-se a brinquedos antigos, representados nalguma estampa de fim de século, mas ao perto transformavam-se em espantosas naves, enormes e arrojadas, transportando, nas suas barquinhas, destemidos aventureiros.

A liderar o desfile, um majestoso balão aos gomos cor-de-laranja, verdes e amarelos, ganhava velocidade. Logo à esquerda se aproximava outro, branco, radioso, com desenhos roxos e vermelhos. Já da barquinha de um terceiro, em tons de azul, uma silhueta humana acenava animadamente, a cabeça debruçada, os braços abertos, no ar.


E de cá de baixo, do meio da multidão, o Francisco e o Balão Vermelho exultavam:

- Eu quero ser balonista! - exclamava o rapaz, eufórico. - Quero viajar num balão e dar a volta ao mundo.

O pai sorriu.

- Sim, isso é possível, quando cresceres. E olha que há um português cujo nome está ligado à invenção dos balões, dos aeróstatos: Bartolomeu de Gusmão...

O filho agitou-se ainda mais e repetiu, atirando o Balão Vermelho ao ar:

- Sim, quero ser balonista... quando crescer!

- E eu quero ser balão... agora! - gritou o Balão Vermelho, aproveitando o impulso e ganhando altura.

Acabara de perceber por que motivo não participara na festa de aniversário do dia anterior. Compreendia também por que razão fora poupado, contrariamente ao que acontecera com os seus irmãos, tão rapidamente desaparecidos. Ele era diferente, porque um destino maior lhe estava reservado: na companhia destes seres grandiosos, daria a volta ao mundo, sobrevoaria cidades, vilas, aldeias, bosques e montanhas, mares, rios e desertos!

Uma rajada de vento fê-lo subir uma dezena de metros e, de cima, baixou o olhar para o parque, onde o Francisco estendia os braços à espera de o receber.

- Adeus, Francisco! - murmurou o Balão, enternecido - Gostei muito de te conhecer. Mas, agora, sigo o meu destino.

Voltou-se para cima e corou de entusiasmo e pura felicidade. Quanto mais feliz se sentia, mais subia e se aproximava dos outros balões.

- É engraçado! - pensou ele, observando os seus companheiros de viagem. - Os meus irmãos levam um chama gigantesca que aquece o ar e os faz elevarem-se até às nuvens. Mas, a mim, o que me faz voar é a felicidade!

Perante tal descoberta, deu uma gargalhada que o empurrou para grande altitude, como se levasse um foguete no rabo.

Sem parar de rir, aproximou-se de um balão colorido como um carrossel e piscou-lhe o olho. Seguidamente, chegou-se a outro, vermelho às pintas pretas, parecido com um gigantesco morango, e comentou, amavelmente:

- Hoje está um belo dia para viajar!

Mas o balão não disse nada, afastando-se.

O Balão Vermelho passeou por entre os balões imponentes, sem conseguir que lhe falassem. Eram perto de vinte balões de ar quente, mas seguia cada qual a um nível diferente, e não trocavam palavras entre si.

Finalmente, o nosso amigo alcançou o balão da frente, o dos gomos cor-de-laranja, verdes e amarelos, que parecia ser o líder e que de imediato se lhe dirigiu:

- Sou o comandante Citrino, e vejo que o meu pequeno amigo é muito falador - começou ele, numa voz que impunha respeito. - Ora isso não é bom para quem tem uma viagem tão longa para fazer como aquela em que nos encontramos. A conversa esgota-nos as energias e distrai-nos.

- Mas então esta viagem não é um passeio? - perguntou o Balão Vermelho, surpreendido.

- Evidentemente que não! - respondeu o comandante, com firmeza. - Vamos em missão, meu rapaz. Cada um de nós transporta, na sua barca, pessoas que nos confiaram as suas vidas, e é nossa tarefa levá-las sãs e salvas ao seu destino. O que não é nada fácil, devo dizer-te.
O Balão Vermelho ficou tão espantado que perdeu um pouco de altitude e teve de fazer um esforço para acompanhar o Citrino.

- Não é mesmo nada fácil - continuou o comandante. - Temos de estar atentos aos ventos e ao peso do ar... Enfim, precisamos de muita disciplina, concentração e esforço para bem executarmos o trabalho que nos foi confiado e para não desiludirmos os nossos valorosos tripulantes.

- Sim, realmente é preciso coragem para voar pelos céus! - concordou o Balão Vermelho, logo acrescentando - E a vossa tarefa parece-me extremamente complicada...

- Claro que o teu caso é completamente diferente - interrompeu o Citrino. - Não tens ninguém para transportar, nem trazes ar quente no teu interior. Afinal, o que é que te faz voar?

- A felicidade - respondeu o Balão Vermelho, quase sem pensar.
- A felicidade?! Trazes felicidade no teu interior e, assim, elevas-te no ar? É certo?
- Sim, é isso mesmo que acontece - confirmou o Balão Vermelho, risonho.
- E a tua missão é...?

O Citrino ficou à espera que o Balão terminasse a frase, mas este permaneceu calado. Foi ainda o comandante que concluíu, com o ar decidido de quem dá a conversa por encerrada:

- Bom, já percebi que o que te faz voar é a felicidade. Sim, senhor! Então, se me dás licença vou dedicar-me a uma manobra delicada, porque se aproximam ventos de sudoeste. Boa sorte!

Como anunciara, o Citrino inclinou-se majestosamente e mudou de rumo, no que foi seguido por todos os demais balões de ar quente.

O Balão Vermelho sentiu-se só pela primeira vez desde que subira ao céu. Desceu um pouco e baixou o olhar, procurando o Francisco. Contudo, o menino já não se avistava, nem o parque, nem mesmo a cidade.

O diálogo com o Citrino distraíra o Balão Vermelho ao ponto de este não mais saber onde se encontrava, e isso deixava-o um pouco ansioso. Por outro lado, as palavras do enorme balão de ar quente sobre a sua missão, e a resposta que ele próprio tão espontaneamente lhe dera, intrigavam-no. Sentia-se confuso, exactamente como às vezes nos acontece: estamos convictos de que arquitectámos uma ideia simplesmente brilhante, mas não conseguimos explicá-la; sabemos que uma palavra nos está debaixo da língua, pronta para a dizermos, e no entanto foge-nos no preciso momento em que desejamos pronunciá-la...

Pois o Balão Vermelho, embora soubesse que o seu destino não estava ligado ao dos balões de ar quente, e sentisse a imperatividade da missão que lhe cabia, não conseguia ainda precisar a sua natureza. Chegou a fazê-lo sorrir a ideia de que pudera julgar-se igual àqueles matulões gorduchos que agora se afastavam a toda a velocidade em direcção às montanhas! Não, ele era realmente diferente: não o movia o ar quente, mas sim a felicidade - como tão prontamente informara o decidido Citrino - e a sua missão consistia em... em... qualquer coisa que o Balão sabia esconder-se no seu coração, mas que tinha dificuldade em expressar...

Entregue a tais pensamentos, o Balão foi-se deixando levar pelo vento. Sentia-lhe a carícia suave e entregava-se-lhe confiadamente.

E assim foi voando, e descendo, notando a aproximação das estradas, dos prédios e das árvores. Sobrevoou um campo inculto e sujo, alguns caminhos poeirentos e um conjunto de construções baixas e escuras, que compreendeu serem barracas.

Pairando sempre, observou várias pessoas, de aspecto pobre, que se reuniam junto à porta de uma das casas, e notou um vulto franzino e ágil que se afastava do grupo e que erguia para o céu um olhar de espanto e de esperança.

O Balão Vermelho fixou a sua atenção naqueles olhos grandes, castanhos, profundos. E deixou-se cair. E, à medida que caía, nascia um sorriso no olhar límpido que o atraía. Era um sorriso que se espraiava pelos lábios e pelas faces da criança, iluminando-lhe todo o rosto e inundando também de um brilho especial o corpinho magro de pés descalços e o vestidinho verde, desbotado, que o cobria.

A menina, que se chamava Célia, estendeu os dois braços, festivos, no impulso de uma pequena gargalhada. E o Balão Vermelho, com ternura, pousou suavemente nas mãozinhas doces, erguidas para o receber.

Nesse exacto momento, o Balão Vermelho sentiu que chegara ao seu destino e soube qual era a sua missão!

Pouco depois, voando, saltando, deslizando por entre as crianças da rua, dançando ao som dos seus risos e falas, rodopiando sobre a poeira, como um sol magnífico, irradiava sobre todos uma imensa Felicidade.



Podes também ler o "O Balão Vermelho" aqui.

domingo, 14 de junho de 2009

A CEBOLINHA MAZONA, história da Avómi

Era já tarde, quando a Cebolinha Mazona deixou, finalmente, de fazer chorar o Patinho Cozinheiro.

Era um martírio! Todos os dias o Patinho Cozinheiro chorava. Chorava antes do almoço, antes do jantar... Sempre culpa da Cebolinha Mazona! Mal ele lhe tocava com a faca, fazia-lhe respingar seu suco para os olhos e o Patinho Cozinheiro chorava, chorava... até parecia que tinha uma dor muito grande. Coitadinho do Patinho Cozinheiro só deixava de chorar nos intervalos das refeições que fazia, e estava a ficar com os olhos cansados.

Assim que o Patinho Cozinheiro chegava à cozinha e punha o avental, começava a ficar triste e pensava:
- Hei-de arranjar maneira de picar cebola sem que ela me faça chorar.

Todos os dias pensava a mesma coisa, todos os dias chorava e nunca arranjava maneira de fazer aquele trabalho, sem que a Cebolinha Mazona o fizesse chorar.

Certo dia, estava o Patinho Cozinheiro lavado em lágrimas, entrou na cozinha o Ratinho Curioso...
- Que tens, Patinho Cozinheiro? Estás tão triste! Porque choras tanto? Quem te fez mal?
- Ninguém me fez mal, nem estou triste. A Cebolinha Mazona é que me faz chorar sempre que lhe toco. Mal lhe toco com a faca, salpica-me os olhos com o seu suco e acontece isto que vês.

- Olha, Patinho Cozinheiro, não digas nada a ninguém, para não dizerem que eu costumo vir espreitar, mas às vezes escondo-me ali atrás daquela panela grande, e espreito para observar o que se faz na cozinha. Sobretudo, acho muito interessante aquele Cozinheiro muito grande, com um ar importante e um chapéu branco muito alto. Uma das coisas que observei, é que ele, quando pica a cebola, molha-a muito bem, deixa-a ficar debaixo de água um bocado, e assim, quando a pica, já não chora.

- Não me faças rir! - disse o Patinho Cozinheiro - Eu sou cozinheiro há tantos anos e nunca ouvi dizer tal coisa!

- Podes crer que é verdade, - disse o Ratinho Curioso - porque há dias ouvi o Cozinheiro dizer ao Ajudante, que fizesse isso. Ele fez e eu vi com os meus olhos, que não deitou uma lágrima que fosse, e picou a cebola num instante.

O Patinho Cozinheiro calou-se, mas ficou com ar de quem não estava a acreditar nada na lição do Ratinho Curioso. Porém, ficou a pensar e a dizer de si para si:
- Ainda hei-de experimentar! Mas vou fazê-lo sem dizer ao Ratinho Curioso, não vá ele ainda fazer troça de mim por o ter acreditado.

- Estás muito calado! - disse o Ratinho Curioso - Não sei porquê, mas quere-me parecer que estás a pensar no que te disse, e estás com receio que te esteja a enganar. É verdade, não é?

O Patinho Cozinheiro que não gostava nada de mentir, disse:
- É verdade. Por acaso estava mesmo a pensar isso! No entanto, considero-te um bom amigo e penso que não me pregarias uma partida dessas, pois não, Ratinho Curioso? Livra-te! Se descubro que me queres enganar, nunca mais te deixarei entrar na cozinha para comeres aqueles bocadinhos de queijo tão delicioso, que costumo dar-te.

- Ó Patinho Cozinheiro, tu achas que o Ratinho Curioso enganaria o seu melhor amigo? Não penses uma coisa dessas, que me entristece muito! Julgava que tinhas mais confiança em mim!
- Lá confiança em ti, tenho, mas como és muito brincalhão!...

- Não, meu amigo! Com coisas sérias não se brinca, e custa-me muito ver-te chorar, quando estás a fazer aqueles cozinhados tão apetitosos. Cheiram tão bem! E também sabem, pois aqui para nós... Não sei se te diga!

- Diz, diz! Para alguma coisa somos amigos! - disse o Patinho Cozinheiro.

- Às vezes não resisto aos teus pitéus. É um cheirinho!... Escondo-me atrás da tal panela, para ver onde põem a comida que sobra, fico à espera que todos saiam da cozinha, e depois...
- Depois o quê? - perguntou o Patinho Cozinheiro.

- Depois vou pé ante pé e delicio-me com uns manjares que nem imaginas. - disse o Ratinho Curioso - É certo que, estou sempre com um bocado de receio de fazer barulho a roer e de ser apanhado em flagrante, mas tenho tido sorte. Eu sei que aquela comida não vai ser comida por ninguém, mas se me apanham na cozinha ainda me armam uma ratoeira, e será um caso sério.
- Tem cuidado, Ratinho Curioso! Gosto muito de ti e não quero ver-te sofrer! Esconde-te bem, e não faças barulho, enquanto houver aqui pessoas.

- Está bem, Patinho Cozinheiro, ouvi o teu conselho e agradeço a tua amizade!
- Então adeus, Ratinho Curioso! Também agradeço a tua lição e a tua amizade!
- Adeus Patinho Cozinheiro! Segue o meu conselho e deixarás de chorar.
Um dia destes passarei por cá e dir-me-ás se resultou.
- Adeus, amigo Ratinho Curioso!!!...

Dali por diante, o Patinho Cozinheiro deixou de chorar, porque seguiu o conselho do Ratinho Curioso e deu-se muito bem. Nunca mais chorou nem uma lágrima.

Mais tarde, voltaram a encontrar-se e o Patinho Cozinheiro disse ao Ratinho Curioso, que nunca mais chorou, quando pica cebola.

O Ratinho Curioso ficou muito vaidoso, por ter sido ele a ensinar aquele truque ao Patinho Cozinheiro.

sábado, 13 de junho de 2009

O PASSEIO DE SANTO ANTÓNIO, poesia de Augusto Gil


Saíra Santo António do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um cândido sermão sobre o pecado.
.
Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando…

E andando, andando, viu-se num outeiro,
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas.

Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo…
.
O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.
.
Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais.
Os rouxinóis ouviam-se distante.
O luar, mais alto, iluminava mais.
.
De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito.
Ela trazia ao ombro a cantarinha,
Ele trazia… o coração no peito.
.
Sem suspeitarem de que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O Menino, porém, ouviu e disse:
- Ó Frei António, o que foi aquilo?…
.
O Santo, erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namorada,
Mentiu numa voz doce como o mel:
- Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada…

Uma risada límpida, sonora,
Vibrou em notas de oiro no caminho.
- Ouviste, Frei António? Ouviste agora?
- Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho.
.
- Tu não estás com a cabeça boa…
Um passarinho a cantar assim!…
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,

Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
- Se o Menino Jesus pergunta mais,
… Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!

Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: - Jesus,
São horas…
........................E abalaram pró convento.
.

O ANFÍBIO, história da Avómi

Crocodilo, Romila, Rio de Janeiro

Era uma vez um Crocodilo muito senhor do seu nariz que vivia na margem dum rio bem fundo, em terras de África. Certo dia resolveu dar um passeio pela floresta e encontrou uma árvore muito grande, com um tronco grossíssimo e pôs-se a pensar:
- Já vi árvores grandes, mas como esta!... Nem sei se avance até perto dela ou se volte para trás. Talvez seja melhor encher-me de coragem e dirigir-lhe a palavra, porque mal não me vai fazer, que eu sou forte e bem forte. Mas lá que mete respeito, é verdade!
Lá foi até bem perto do Embondeiro que já o tinha visto à distância. A árvore não escondeu a sua admiração e logo que o Crocodilo se aproximou, disse:
- Já tenho visto muitos lagartos, grandes e pequenos, de várias cores, mas como tu nunca vi nenhum!
- Também eu me espanto com a tua aparência, pois nunca vi nenhuma árvore tão grande. Como te chamas?
- Chamo-me Embondeiro e dou uns frutos muito gostosos. Queres provar?

Embondeiro, Manuel Pombinho

- Quero! Mas antes, quero dizer-te que não me chamo Lagarto. É verdade que, antigamente, designavam-me assim, mas isso foi há muitos anos, quando as pessoas ainda não estavam esclarecidas. Chamo-me Crocodilo e sou um anfíbio.
- Anfíbio?!... O que quer isso dizer?
- Eu já imaginava que irias fazer essa pergunta. És muito grande, mas pouco esclarecida. - disse o Crocodilo com ar importante - Anfíbio é um animal que pode viver em terra e na água. Quando me apetece, meto-me no rio, dou grandes mergulhos, brinco na água, mas se me canso, venho para terra, normalmente para estender-me ao sol.
Raramente saio da margem do rio, mas hoje apeteceu-me esticar as pernas e, para chegar aqui, já andei bastante. Bem, agora que já falei muito, dá-me um fruto dos teus.
- Aí vai ele. Desvia-te um pouco, para te não cair em cima, pois é um bocado pesado e pode magoar-te.
- Olha, olha! Mas tu pensas, que eu sou algum animalzinho frágil? A minha pele é mais rija que o teu tronco! Atira lá isso e não te preocupes, que não me magoas.
- Um, dois, três... Aí vai... - disse o Embondeiro a brincar, ao mesmo tempo que atirou o fruto.
O crocodilo apanhou o fruto e, sem o descascar, comeu-o num instante e disse:
-É refrescante, lá isso é, mas se estava com fome, com fome fiquei. O que eu queria, era uma carninha que me desse forças para o regresso.
- Carninha?!... - exclamou a árvore - Não estás bom da cabeça! Só posso dar-te o que tenho, e estás com sorte por teres vindo na altura em que estou carregada de frutos, pois se tivesses vindo há um mês atrás, não havia nem um.
- Não digas que estou com sorte, pois a verdade é precisamente o contrário! Costumo apanhar uns animaizinhos mesmo à beira do rio e, aqui para nós, bem gostosinhos! Aproveito quando vão beber água, dou-lhes uma pancada com a minha cauda, e pronto, estão apanhados. Hoje não vi nem um. Como por aqui não há nada, vou andando antes que anoiteça.
Talvez consiga ainda apanhar algum animal distraído pelo caminho.
- É melhor ires-te embora, é! Já vi que és mauzinho e traiçoeiro. Não quero que, se aparecer algum dos meus amigos, me dês um desgosto. Somos todos muito felizes neste sossego e não quero que perturbes a paz em que vivemos.
O Crocodilo, furioso, levantou a cauda e começou a bater com toda a força no tronco da árvore, mas o Embondeiro não se mexeu, nem se lamentou; apenas o olhou em silêncio e com desprezo.
Sem mais delonga, cabisbaixo, o Crocodilo virou as costas e foi-se embora e não voltou mais a deslocar-se ao local onde habitava o Embondeiro que, quer quisesse quer não, tinha muito mais força que ele.
.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

FESTA DE SANTO ANTÓNIO, poesia de Ilona Bastos

 
Santo António vou festejar,
Levo um arquinho e um balão,
Toda a noite vou bailar,
Ao meu amor dar a mão.


Vou comprar um manjerico
E ofertá-lo ao meu amor.
É viçoso, verde, rico,
Vermelho, o cravo, um esplendor.
 

Sua quadra popular
É de amor uma mensagem:
"Pelas ruas a dançar
Só verei a tua imagem.”


Aqui se salta a fogueira,
Ali se ri, a brincar,
Além se canta, altaneira,
Uma canção popular.


No arraial enfeitado,
De luzes, grinaldas, balões,
Palpitantes, lado a lado,
Batem nossos corações.
.

OS PARDAIS COM ALEGRIA, poesia de Maria da Fonseca


O João senta-se à mesa,
Está pronto pra almoçar.
A atmosfera está morna
E o "garçon" não vai tardar.

No passeio, os pardalitos
Não param de saltitar.
Chamam a sua atenção
Com o constante piar.

Mas o "garçon" já lá vem
Com seu prato favorito.
E as avezinhas atentas
Ensaiam o seu saltito.

Dois pardais atrevidotes,
Saltam juntos do passeio
Para a mesa do João,
Atacando o prato cheio.

Ainda se vissem gato,
Tudo pode acontecer,
Mas um bife com batatas
Não dá para enlouquecer!

O João, benevolente,
Espantou as avezinhas,
Deitando pão para o chão,
Um miolo em migalhinhas.

Os pardais a saltitar
Deixam o nosso João
Saborear o almoço,
E vão comendo o seu pão.

Agora, todos os dias,
O João tem companhia
Na sua hora de almoço,
"Os pardais com alegria".
.
.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

PIA PIA O PASSARINHO, poesia de Ilona Bastos



Pia, pia o passarinho!
O pardal e o rouxinol
Piam com o nascer do sol,
Piam cedo, de mansinho.


E o poeta, que madruga,
Acordado pelo piar,
Cria versos, a cantar
Bela rima que conjuga.


Pia, pia o passarinho!
Suas penas, tão sedosas,
Amarelas, radiosas,
Deslumbrante, o canarinho.


Inspirada poesia,
Pena, o poeta, a compor.
Em lindas faces, rubor,
Causará sua ousadia.


Pia, pia o passarinho,
Pelo jardim a voar!
Com as rosas quer falar,
E cheirar o rosmaninho.


O poeta ali passeia
Com a sua namorada.
Vão juntinhos, de mão dada,
De amor, sua alma cheia.


Pia, pia o passarinho,
Em trinados maviosos,
Gorjeios maravilhosos
Que inundam o caminho!


Seguem bem enamorados,
O poeta e a mocinha.
O parzinho assim caminha,
Tão felizes e abraçados.


Pia, pia o passarinho
Seu hino à Felicidade!
Mas, se lhe bate a Saudade,
Piando, voa para o ninho.

-

Estas belas ilustrações de aves e flores encontram-se no site da
Feenixx Gallery


Lê também a poesia aqui e conhece os nomes das aves e das plantas.


GABY NA CIDADE, história de Ilona Bastos (ouvir e ler)


Gaby morava numa quinta, numa bela casa antiga. As janelas da sala deitavam para um pátio cheio de sol, onde a menina brincava todas as manhãs. Logo depois, havia um carreiro, pelo qual a Gaby corria livremente até ao jardim. E, no jardim, então, encontrava-se de tudo: desde flores tão, tão minúsculas, que era necessário semicerrar os olhos para conseguir vê-las bem, até às árvores mais gigantescas e frondosas.

Quando a Gaby passeava com a avó Luiza, por entre os canteiros, esta ensinava-lhe os nomes das flores:
- Olha! Aqui, estão as violetas. Aquelas, ali, são as margaridas. E, além, é o cantinho das rosas, dos narcisos e dos jacintos.

No pomar, a Gaby gostava de colher os pêssegos, as maçãs e as laranjas que pendiam dos ramos mais baixos das árvores, ou apanhar os frutos que, de tão maduros, tinham caído no solo.
- Vai, vai, Gaby! – dizia a avó Luiza, – Apanha tudo o que puderes. E não te esqueças da cesta para trazeres a fruta, que será a nossa sobremesa.



Com o avô António, a Gaby visitava o galinheiro e ajudava o caseiro José a dar milho às galinhas e aos pintainhos. Alimentava os coelhos com cenouras e couves. E fugia dos gansos ruidosos, sempre a bater as asas e a grasnar!

Havia ainda um cão, o Tim, um cocker spaniel dourado, de longas orelhas. Era muito alegre e meigo, e seguia a Gaby por toda a casa, sempre a abanar a sua cauda pequenina.

À tardinha, quando os pais chegavam, a Gaby e o Tim corriam à porta para os receber. Os avós saudavam-nos, felizes. Era uma festa! Abraços e beijos, saltos e latidos excitados! A vida na quinta era maravilhosa!

Certo dia, porém, os pais da Gaby resolveram mudar-se para a cidade. Embora gostassem de viver no campo, e apreciassem imenso a companhia do avô António e da avó Luiza, entendiam que chegara o momento de partir.

João, o pai da Gaby, era engenheiro, e tinham-lhe oferecido um bom emprego na cidade. A mãe, Ana, que era arquitecta, iria trabalhar com o marido. Projectariam belos edifícios, pontes e jardins. E estariam juntos durante uma boa parte do dia, o que muito os alegrava. Quanto à Gaby, estudaria num colégio, perto de casa.

Os avós entristeceram-se com a notícia.
- Na cidade, a Gaby não respirará um ar tão sadio como o da quinta – lamentou-se a avó Luiza.
- Nem estará perto dos animais, que tanto nos ensinam sobre a vida -acrescentou o avô António.

Mas os pais da Gaby descansaram-nos:
- Não se preocupem! O apartamento para onde vamos morar fica junto ao pinhal. Ali, o ar é muito puro. E, além disso, há belos jardins onde a Gaby poderá brincar com o Tim.
- Mas as saudades... - murmurou a avó Luiza, levando as mãos ao peito.

A Ana e o João abraçaram os pais e prometeram-lhes que, no seu lar, haveria sempre um quarto que lhes estaria reservado, o que os deixou muito satisfeitos.
Durante as férias do Verão, a Gaby e os pais mudaram-se para um moderno apartamento, na cidade.

A Gaby estava encantada! O seu novo quarto era de um cor-de-rosa suavíssimo e a mobília era branca, cheia de flores. Os puxadores das gavetas tinham malmequeres pintados. Na cabeceira da cama, a mãe estampara um ramo de margaridas. E até as portas do armário e a escrivaninha tinham violetas desenhadas! Deitada na cama, antes de dormir, ou, logo pela manhã, ao acordar, a Gaby sentia-se como num jardim.

Em Setembro, começaram as aulas e a Gaby fez um novo amigo, o Tiago. No recreio, brincavam e conversavam muito, e um dia a menina confessou-lhe que, embora gostasse muito da sua nova casa e do colégio, sentia falta dos animais da quinta.

O amigo animou-a:
- Não fiques triste, Gaby. Vem a minha casa, que tenho golfinhos, girafas e elefantes no quintal!
A Gaby riu-se muito. Mas o Tiago insistiu:
- Logo à tarde vais lanchar comigo!

O Tiago morava perto, no oitavo andar de um alto edifício. E, assim, depois da escola, a Gaby foi a casa do amigo, onde a esperava um lanche delicioso.

Terminada a refeição, o Tiago anunciou:
- Agora, vamos ver o meu quintal!

Atravessaram o corredor, entraram no escritório, aproximaram-se da janela e o menino afastou os cortinados.
- Aqui está!

A Gaby nem acreditava no que via: muito próxima, mesmo do outro lado da rua, por detrás das grades de um magnífico parque, existia uma enorme piscina de água azul e brilhante, onde golfinhos nadavam e faziam habilidades. Davam saltos e piruetas espectaculares, mergulhavam com elegância e voltavam à superfície alegremente.
O Tiago apontava:
- Olha! Ali estão as girafas, de longos pescoços! Vês? E, acolá, os elefantes. Há também leões, tigres, pinguins, jacarés e pandas. Todos os animais que possas imaginar!

- Que maravilha! - exclamou a Gaby. - Como é possível teres todos estes animais no teu quintal?

O Tiago riu-se e explicou:
- Não é o meu quintal, Gaby. É o Jardim Zoológico! Tem animais do mundo inteiro e podemos vê-los sempre que quisermos.
A Gaby ficou entusiasmadíssima:
- Quero ir visitar todos os animais!

E, assim, num agradável domingo de Outono, os pais, os avós e o Tiago levaram a Gaby a visitar, pela primeira vez, o Jardim Zoológico.
Passearam, satisfeitos, por entre as árvores e os animais. Divertiram-se com os ursos e os macacos, espantaram-se com os cangurus e os koalas, e admiraram o talento dos golfinhos e das focas.
O Tiago e a Gaby corriam, livremente, pelos carreiros cobertos de folhas douradas, e todos estavam felizes!


Podes ouvir esta história aqui:

.